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Resenha: A garota no trem

Oi gente, esse post é, na verdade, para anunciar que o Chá das Cinco com Literatura agora tem também resenhas literárias além dos episódios mensais do podcast. Essas resenhas serão sobre  livros que não vão ter um episódio exclusivo para chamar de seu, mas vale a pena falar sobre eles! Sempre dialogando com a transposição do livro para o cinema, o propósito continua o mesmo, tornar a literatura acessível à qualquer pessoa interessada em discuti-la! Para abrir essa série de posts, hoje falo sobre “A garota no trem”

Título: A garota no trem

Autor: Paula Hawkins

Editora: Record

Sentimento: apreensão; auto-estima; superação;

Quando soube da adaptação do livro para o cinema, corri para ler o livro porque acho que como a maioria das pessoas, prefiro fazer isso antes de ver o filme.  Até ver o trailler não sabia nada sobre a história, apenas que era uma garota que pegava o trem para Londres todos os dias e observava as casas e as pessoas durante esse trajeto.

A garota no trem é Rachel, alcoólatra, recém-divorciada que pega o trem todos os dias para ir ao trabalho. Nesse trajeto ela sempre observa uma mesma casa onde mora um casal que lhe parece perfeito. Sabe quando a gente dubla a conversa dos outros de longe? Não, isso não é coisa de gente esquisita, é perfeitamente normal, acontece. No caso do livro,  Rachel fantasia a vida desse casal, dá até nome para eles – Jesse e Jason – e eles são a representação do que seria um casal feliz.  Um dia, nesse mesmo trajeto, Rachel vê que “Jess” fictícia não está com “Jason” fictício, mas com outro homem. Você percebe o grau da obsessão de Rachel pois ela fica transtornada, se sente enganada, traída, tipo “como ela joga fora um casamento tão lindo?” No dia seguinte “Jess” fictícia que na verdade se chama Megan some, e aí começa o mistério do livro.

À medida que fui lendo fiquei pensando em como eles iriam adaptar para o cinema porque o livro não é uma narrativa linear padrão, tem três histórias de três mulheres diferentes: Rachel, Megan e  Anna. Sendo assim, lemos a descrição de três passados diferentes, três sentimentos diferentes, três histórias de vida distintas que parecem não ter muito a ver, mas que vão se cruzando em alguns pontos e finalmente formam uma única narrativa. O filme conseguiu fazer isso muito bem, através de flashbacks, das memórias discutidas no consultório de psiquiatria, de maneira que essa narrativa tripartite se encaixou muito bem  na trama. Confesso que no início foi um pouco difícil continuar a leitura porque Rachel estava sempre bêbada, suja, tinha apagões e sempre se sentia a pior pessoa. Quando ela decidiu parar de beber pensei, “agora vai”, mas durou pouco ela não deu conta, aí eu ficava aflita torcendo para ela conseguir sair dessa.

Mas o que essas três mulheres têm em comum? Relacionamentos abusivos. Rachel vivia nostálgica se lembrando do marido e do casamento que acabou por sua culpa. Tom para ela, era o melhor cara do mundo e as lembranças de Rachel são apenas as coisas que ele a contava sobre o que ela tinha feito, porque como estava sempre bêbada nunca se lembrava de nada. Nessas lembranças, ela o agredia, era violenta, destruía as coisas em casa, o fez perder o emprego e, assim, ela carrega essa culpa o livro/filme inteiro. Megan vivia com seu marido um relacionamento em que ele a agredia de vez em quando, descobria suas senhas, conferia seus emails e suas mensagens, mas segundo ela, “não se importava”. Anna é casada com Tom, ex de Rachel, com quem teve uma filha. Ela parou de trabalhar para cuidar da filha e como tinha sido sua amante, começou a desconfiar dele, estando sempre cismada porque Rachel não parava de procurá-lo ou de telefonar.

Ao mesmo tempo em que a obsessão pela vida do casal perfeito fictício era um problema para Rachel – sempre comparando com o seu casamento, sua bebedeira, o emprego perdido – foi o que a motivou a parar de beber e a mudar de vida. Toda a trama segue em torno da “investigação” que ela decide fazer sobre o sumiço de Megan, mas também da sua lenta reabilitação, recuperação dos hábitos de vida, auto estima e memórias. À medida que isso vai acontecendo, ela se lembra de fato dos episódios de violência, as traições do marido e vários outros eventos dos quais ela sempre se sentiu culpada.

O livro levanta temas importantíssimos como violência doméstica, traição, alcoolismo e maternidade – Rachel começou a beber quando descobriu que não podia engravidar – e infelizmente essas são questões presentes no cotidiano de muita gente, e de muitas mulheres. É uma ficção possível, pois trata das mazelas humanas encobertas pela atmosfera do subúrbio habitado pelo cidadão de bem; é a vida e a sociedade de aparências que sempre desmoronam, mais cedo ou  mais tarde. Talvez a identificação do leitor com Rachel se faça diretamente, ou pelo “conheço alguém assim” ou “fulana passou por isso”; ou ainda, porque talvez diante do sofrimento alheio, a empatia e não o julgamento, seja a melhor resposta.

 

“Depois de algum tempo, aprendi a não perguntar o que eu havia feito, nem duvidar quando ele me contava por conta própria, porque eu não queria saber os detalhes, não queria ouvir o que de pior tinha acontecido, as coisas que eu fiz e que eu disse quando estava daquele jeito, podre de bêbada. Às vezes ele ameaçava me filmar, falando que ia me mostrar depois. Mas nunca fez isso. Pequenos atos de piedade.” (pag 257)

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